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Descrição

Recurso à classificação da Proposta n.º 974 – Instalação de nova Unidade Básica de Saúde no bairro do Belém (Orçamento Cidadão)

I – Síntese dos fatos

A proposta n.º 974, apresentada no âmbito do Orçamento Cidadão, solicitou a instalação de uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS) no bairro do Belém, em razão do crescimento populacional e das condições precárias da unidade existente. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) classificou a proposta como “inviável”, alegando:

  1. inexistência de terreno disponível à SMS;

  2. prazo de execução incompatível com o ciclo orçamentário anual; e

  3. suposta incumbência do cidadão de indicar terreno público.

Tais justificativas, contudo, afrontam os princípios constitucionais e legais que regem o direito à saúde e contrariam a jurisprudência consolidada. O objetivo deste recurso é demonstrar que o Município deve adotar medidas para efetivar o direito fundamental à saúde, inclusive com a instalação de nova UBS no Belém. Exigir que a população faça o mapeamento de áreas públicas não é razoável; cabe à subprefeitura atuar em coordenação com a Secretaria Municipal de Saúde para identificar terreno adequado e promover a construção da unidade.

II – Fundamentos constitucionais e legais

  1. Artigo 196 da Constituição Federal – Estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúdegov.br. A norma deixa claro que a prestação de serviços de saúde é dever estatal e deve ocorrer de forma universal e igualitária.

  2. Artigo 197 da Constituição Federal – Dispõe que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, competindo ao Poder Público dispor sobre regulamentação, fiscalização e controle, com execução direta ou por terceirosgov.br. A saúde não é um favor do governante; é serviço público essencial que o Estado deve prover.

  3. Artigo 198 da Constituição Federal – Determina que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, formando um sistema único, organizado segundo a descentralização (direção única em cada esfera), atendimento integral e participação da comunidadegov.br. Essa descentralização e integralidade obrigam os municípios a planejar e oferecer unidades básicas de saúde em seus territórios.

  4. Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOMSP):

  5. a. Artigo 212 – Estabelece que “a saúde é direito de todos, assegurado pelo Poder Público”, reproduzindo o mandamento constitucional e obrigando o Município a assegurar o direito à saúde.

  6. b. Artigo 213 – Determina que o Município, com participação da comunidade, garantirá o direito à saúde mediante: (i) políticas visando ao bem‑estar físico, mental e social e à redução de riscos; (ii) acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde em todos os níveis de complexidade; e (iii) atendimento integral do indivíduo. Tal dispositivo obriga o Município a garantir políticas públicas e acesso universal e integral, o que inclui disponibilizar infraestrutura adequada como UBS.

  7. c. Artigo 214 – Prevê que as ações e serviços municipais integram a rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS) e que a direção do sistema, no âmbito municipal, cabe ao órgão competente. Dessa forma, a administração municipal deve gerir a rede local de saúde e não pode justificar a inexistência de uma unidade por falta de planejamento. O § 5º desse artigo autoriza o poder público a requisitar bens e serviços em casos de necessidades coletivas urgentes, com justa indenização.

  8. Tema 793 de Repercussão Geral do STF – O Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e que cabe à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme a repartição de competências, podendo determinar o ressarcimento ao ente que suportou o ônus. Assim, União, Estados e Municípios respondem solidariamente pela prestação de serviços de saúde; o Município de São Paulo não pode se eximir alegando que o Estado ou a União é responsável.

III – Observação sobre a exigência de terreno

O argumento da administração de que “não há terreno disponível à SMS” não afasta o dever constitucional. O art. 214, § 5º da LOMSP autoriza o poder público a requisitar bens e serviços em casos de necessidades coletivas urgentes, garantida indenização. Além disso, a legislação municipal confere ao Município competência para identificar e controlar fatores determinantes da saúde (vigilância e planejamento) e instituir distritos sanitários. Cabe ao poder público mapear áreas, promover desapropriações quando necessário e planejar a expansão da rede de saúde, sem transferir essa responsabilidade ao cidadão comum.

IV – Jurisprudência que afirma a obrigação do Estado

  1. Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário 271.286/RS (AgR). Em julgado relatado pelo Ministro Celso de Mello, o STF afirmou que o direito à saúde é consequência constitucional indissociável do direito à vida. A decisão destacou que esse direito “constitui prerrogativa jurídica indisponível” assegurada a todas as pessoas e que o Poder Público, qualquer que seja a esfera federativa, não pode mostrar‑se indiferente, sob pena de incorrer em grave comportamento inconstitucional. O Ministro ressaltou que o caráter programático do art. 196 não pode converter‑se em promessa inconsequente; o Estado deve formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas para garantir o acesso universal à saúde. Argumentos orçamentários ou de conveniência não legitimam a omissão.

  2. Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) – (ACP n.º 0001929-06.2014.8.15.0351). O acórdão afirmou que: não há violação da separação de poderes quando o Judiciário determina a execução de serviços de saúde, pois limita‑se a fazer cumprir a Constituição. O mesmo acórdão, citando voto do Ministro Celso de Mello, acentuou que o Estado não pode demitir‑se do mandato constitucional e que a omissão justifica a intervenção judicial para fazer valer o direito à saúde.

  3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF‑3) – Apelação Cível n.º 0013493‑38.2012.4.03.6100. Em disputa possessória envolvendo imóvel usado pelo Município de São Paulo para instalação de uma UBS na região de Parelheiros, o TRF‑3 reconheceu o interesse público relevante em manter a posse do imóvel. O Município sustentou que a posse era exercida “para efetivação do direito fundamental e constitucional à saúde” e que a interrupção da unidade traria incalculável prejuízo à comunidade carente. A argumentação foi acolhida pelo Tribunal, que enfatizou que a função social da propriedade e o direito à saúde devem prevalecer em conflitos possessórios. Essa decisão mostra que a implantação e manutenção de UBS é instrumento de efetivação do direito fundamental à saúde.

V – Aplicação ao caso da UBS do bairro Belém

  1. Dever de instalação de novas unidades. O aumento do número de moradores e a superlotação da UBS existente demonstram que o atendimento integral previsto nos arts. 196/198 da Constituição e nos arts. 212–214 da LOMSP não está sendo assegurado. Como a saúde é direito de todos e dever do Estado, o Município de São Paulo deve adotar políticas e medidas materiais para garantir acesso universal e igualitário, o que inclui instalar nova UBS no bairro. A falta de terreno não exime essa responsabilidade, pois:

  2. a. Identificação de áreas ou desapropriação – O Estado pode identificar áreas públicas ou promover desapropriação de imóveis para fins de utilidade pública, com a devida indenização; o art. 214, § 5º da LOMSP autoriza a requisição de bens e serviços em situações de necessidade coletiva.

  3. b. Planejamento urbano e sanitário – É competência do município planejar e instituir distritos sanitários; transferir ao cidadão comum a tarefa de mapear terrenos viola o princípio da eficiência e contraria o dever de organização administrativa previsto na LOMSP.

  4. c. Argumentos orçamentários – Não afastam a obrigação de assegurar direitos fundamentais. A jurisprudência do STF e dos tribunais estaduais é firme ao considerar que a reserva do possível não pode ser utilizada para inviabilizar políticas públicas de saúde, sendo legítima a intervenção judicial quando constatada omissão.

  5. d. Responsabilidade solidária – Conforme a tese firmada pelo STF no Tema 793, União, Estados e Municípios são solidariamente responsáveis pela assistência à saúde. Assim, ainda que exista cofinanciamento estadual ou federal, o Município continua obrigado a prover a infraestrutura básica necessária.

  6. Papel da subprefeitura e da Secretaria Municipal de Saúde. A Subprefeitura da região Belém não pode alegar falta de alinhamento com a Secretaria Municipal de Saúde para se eximir da obrigação. A Constituição e a LOMSP estabelecem que as ações e serviços de saúde devem ser descentralizados, mas com direção única em cada esfera de governo, assegurando atendimento integral. O ente municipal deve coordenar suas secretarias (saúde, planejamento urbano, habitação) para viabilizar a construção da UBS. Caso haja omissão, é possível:

  7. a. Acionar o Ministério Público para propositura de ação civil pública;

  8. b. Impetrar mandado de segurança coletivo ou ajuizar ação popular visando resguardar o direito difuso à saúde;

  9. c. Solicitar a inclusão da obra na Lei Orçamentária, demonstrando que a omissão viola a Constituição e a LOMSP.

VI – Inconsistências das justificativas administrativas

  1. Falta de terreno – A identificação de áreas públicas ou a promoção de desapropriações é atribuição da administração municipal. O art. 214, § 5º da LOMSP permite requisitar bens e serviços em casos de necessidade coletiva, com indenização justa. Transferir ao cidadão a tarefa de “apontar” terrenos viola o dever de planejamento e eficiência.

  2. Prazo de execução – A Primeira Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba tem decidido que a alegação de que “a entrega pretendida necessita de tempo para execução que extrapola o previsto para execução orçamentária” não legitimam a omissão estatal na área de saúde.

  3. Participação popular – Compete à Subprefeitura e à SMS atuar de forma coordenada para localizar área adequada e desenvolver o projeto, convocando a comunidade para deliberar sobre prioridades, mas sem inverter o ônus de planejamento.

VII – Conclusão

A instalação de uma nova UBS no bairro Belém é obrigação legal do Município de São Paulo. O art. 196 da Constituição e o art. 212 da LOMSP estabelecem que a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida por políticas públicas eficazes. O STF reconhece que o direito à saúde é indissociável do direito à vida e que o poder público não pode ser omisso. É dever da subprefeitura e da Secretaria Municipal de Saúde coordenarem-se para identificar terreno público ou promover desapropriação para a construção de nova UBS, sob pena de responsabilidade por violação de direito fundamental.

Atenciosamente,

Priscila Pricoli - Coordenadora do Conselho Participativo Municipal da Subprefeitura da Mooca

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